sexta-feira, 16 de maio de 2008

AMOR 5 Teatro O Resto
Operação Cardume Rosa, 1998

Adormecer - puff amarelo, mala de viagem e objecto convidado

Horácio - Era uma vez uma menina com corpo forrado a azul...
Beatriz - Azul como o céu?
- Azul como as garrafas que enchem o mar... Essa menina era do tamanho da Austrália e tinha uma angústia vermelha na mão direita... Todos os dias a menina saía de casa quando o sol se punha...
- O sol põe-se?
- O sol põe-se como as galinhas...
- Quando o sol se põe, de que cor é que o céu fica?
- Fica escuro.
- Então não fica azul.
- Fica azul escuro.
- Então a menina do corpo forrado era azul normal, vermelho e azul escuro.
- Pois.
- E quando há sol e lua ao mesmo tempo?
- Há um eclipse.
- E o que é um eclipse?
- É amarelo de um lado e branco do outro.
- (Adormecendo) Azul normal, amarelo de um lado, branco, vermelho e azul escuro...
- Deixas-me acabar a história ou não beatriz?... Bom... a menina está em casa ao fim do dia...
- 6 e meia?
- 7 e um quarto... a menina está em casa, põe metade de um chapéu e sai à rua...
- Ela põe chapéus como as galinhas?
- Posso continuar a história?
- Sim, sim...
- A menina com o corpo forrado a azul gostava de um príncipe que chegava sempre atrasado.
- depois das 7 e meia.
- muito depois. Ele chegava sempre no dia seguinte. Ele vivia muito longe a guardar anjos e só tinha 3 quartos de hora livres sempre que o dia mudasse de cor... E quando chegava corria para ela, dava-lhe um beijinho no queixo, contava-lhe dos seus problemas da alma e desaparecia numa L5.
- Ele não podia lavar a alma?
- A alma é muito difícil de lavar. Tem de se pôr de molho como o bacalhau e ele não tinha tempo para isso. E... olha... era sempre assim... Ele chegava e ficavam os dois, frente a frente, assim como se estivessem gostar em horário de expediente. Ele ainda dizia bom dia quando a via... beijinho no queixo, fechava os olhos e fazia-se deserto tal e qual aqui se faz noite...
- mmmmm...
- Ela ficava do tamanho desse deserto a dizer adeus e nunca chorava nas despedidas porque faz frio. Tira o chapéu, adormece À sombra de um cacto e espera pelo pôr do sol outra vez... Beatriz? Beatriz? Estás a dormir? Então eu estou-te a contar uma história e tu adormeces? Beatriz?
- Estou, estou... ela espera pelo pôr do sol...
- Não me estavas a ouvir...
- Estava, estava... Eu só não percebi aquela parte do horário de expediente.
- Então o horário de expediente é o tempo que...
- Sim, sim. é como tu... mas o que eu não percebo é porque é que eles gostam um do outro em horário de expediente. Gostar não está sempre poente?
(a Beatriz adormece)
- Mas sabias que o amor rima com dor?
- Pois é, mas também rima com tractor.
- ... Pois, se calhar não tem muita importância... Pssst pssst... Beatriz? já estás a dormir? (pausa) Hoje podia fazer uma bela noite?
- Então porque é que não fazes?
- Não tenho preto que chegue...

Sem comentários: